No Dia Mundial da E.M., durante o IX Simpósio de Esclerose Múltipla do Alto Tietê, promovido pelo GATEM, profissionais da saúde falam sobre medicamentos, protocolos clínicos e de como um diagnóstico preciso para cada paciente ajuda a minimizar sintomas e surtos, garantindo qualidade de vida e acesso ao tratamento para os pacientes do Alto Tietê.
A esclerose múltipla é uma doença inflamatória e desmielinizante. Doença inflamatória que acomete o cérebro e a medula, gerando uma inflamação na bainha de mielina dos nervos, por isso o termo desmielinização. A inflamação da mielina pode se dar por fatores biológicos, como, por exemplo, infecções, estresse e traumas. Cirurgias também podem desencadear o processo inicial. Porém, primariamente, a questão autoimune é o principal fator de desencadeamento da doença. Ela prejudica a condução de sinais nos nervos afetados, causando sintomas nas sensações, nos movimentos, na cognição e outras funções, dependendo dos nervos ou áreas afetadas.
A E.M. acomete pacientes entre 20 e 40 anos, com predomínio pelo sexo feminino e pessoas de pele branca. A doença pode ser tanto benigna quanto progressiva.
Existe ainda um fator geográfico sobre a doença. Mediante pesquisas e estudos, foi descoberto que a doença se manifesta mais em pacientes que estão acima da linha do equador. Quanto maior a latitude, maior a prevalência da doença. A E.M. também é mais comum em climas frios e países industrializados.
Dr. Giorge Kelian, neurologista e especialista em Esclerose Múltipla, que teve a oportunidade de trabalhar no primeiro Centro de Referência em E.M, o Centro de Atendimento e Tratamento da Esclerose Múltipla da Disciplina de Neurologia da Santa Casa de São Paulo (CATEM), falou sobre as formas clínicas da doença e os tratamentos.
“Dentro da E.M. existem as formas clinicas da doença, que se dividem entre o Remitente-recorrente (E.M. RR), mais frequentes; a maioria dos pacientes abre o quadro clínico nesta forma. A Secundária progressiva (E.M. SP), pacientes que podem evoluir com surtos ao longo da doença, ou não, dependendo do diagnóstico e lesão. A Primária progressiva (E.M. PP), uma forma extremamente rara e mais agressiva; o paciente já abre os sintomas de forma gradativa e vai piorando progressivamente”, explica.
“Por fim”, continua Kelian, “existe a Síndrome Clinica Isolada (CIS), que na verdade não é uma forma clínica, mas uma terminologia que a classe médica tem usado com frequência. A CIS ocorre quando o paciente tem um sintoma neurológico ‘simples’, mas que merece investigação. Pois ele pode preceder um início do quadro de esclerose múltipla. Essa avaliação é importante para que cada vez mais se consiga fazer um diagnóstico de forma precisa e precoce. Assim o paciente pode cuidar de forma mais eficaz desde o início da doença”.
Sintomas da Esclerose Múltipla, tratamentos e novas drogas
Os surtos acometidos pela E.M. são divididos entre leves, moderados e graves. Os leves são aqueles que não atrapalham a vida do paciente, que continua com sua rotina normal; esses podem ser tratados com Corticoide Oral. O moderado atrapalha parcialmente e o grave incapacita o paciente.
“Um surto leve, por exemplo pode ser uma dormência na mão e podemos tratar esse com corticoide oral ou até com o prednisona. E os protocolos a serem seguidos para a medicação podem variar”, informa Giorge Kelian, neurologista.
A manutenção da doença é feita com drogas imunomoduladoras ou imunossupressoras. O corpo humano trabalha como uma balança de substâncias: as anti-inflamatórias e as pró-inflamatórias. No caso da esclerose múltipla, essas substâncias penderam para o lado inflamatório. Assim, os medicamentos imunomoduladores tendem a diminuir, corrigir e equilibrar as citocinas da doença. Contudo, isso dependerá do grau da atividade inflamatória da patologia e da topografia das lesões (drogas imunomoduladora modulam após seis a nove meses do início do tratamento).
“O diferencial nos tratamentos atuais da esclerose múltipla é que o médico tem a possibilidade de ser um pouquinho mais agressivo com uma doença que também caminha de forma mais agressiva no paciente”, conta Giorge. “Antes não tínhamos essa oportunidade, porém, tudo depende da doença e de como o paciente reage. ”, completa o neurologista”.
Novos Medicamentos para o tratamento da Esclerose Múltipla
Em relação as drogas disponíveis no mercado Dr. Giorge elencou alguns tipos que estão sendo utilizados, alguns já conhecidos e outros novos, que fazem parte das diretrizes de primeira escolha do SUS e outros que não fazem parte das diretrizes, mas foram aprovados pela FDA (Food and Drugs Administration, regulamentadora nos Estados Unidos) e ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Contudo, sempre importante lembrar que, esses medicamentos são opções clínicas que só os médicos podem avaliar se fará parte do tratamento do paciente ou não, pois, dentro da esclerose múltipla existem diversos graus que a doença pode atingir, assim, é necessária uma avalição médica antes de qualquer tomada de medicamento.
Medicamentos disponíveis no SUS para o tratamento da Esclerose Múltipla
- – Beta-interferon 1ª e 1b (Rebif, Betaferon e Avonex) são medicamentos de primeira escolha para o tratamento;
- – Acetato de glatirâmer (Copaxone) para formas remitente e recorrente da doença;
- – Azatioprina, uma medicação que não se tem obtido um efeito assertivo;
- – Natalizumabe (Tysabri) uma medicação imunossupressora já utilizada e conhecida nos tratamentos de EM.;
- – Fingolimode (Gilenya) também uma medicação imunossupressora e para a primeira tomada desta droga é necessário que o paciente seja monitoramento no hospital, ele deve permanecer no mínimo seis horas em observação médica.
Medicamentos e Análises aprovados pela FDA e ANVISA (Não estão no protocolo do SUS)
Dimetil-fumarato (Tecfidera): é uma droga aprovada pelo FDA e ANVISA, que, antes de ser utilizada para o tratamento da E.M., já era usada para a doença de Psoríase. Esta droga tem feito anti-oxidante, logo, reduz a atividade inflamatória.
Conforme um estudo chamado “DEFINE” pode-se verificar que a redução de surtos anuais chegou a taxa de 53%.
Efeitos colaterais: reação na pele, alterações no TGI (trato gástrico intestinal), linfopenia (diminuição do linfócito, referente as defesas do corpo) e foi descrito um caso de LEMP (Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva).
Alentuzumabe (Lemtrada): é parecido com o Natalizumabe e tem aplicação anual em 5 dias de infusão (12mg/dia/em 4h) tem ainda associação com o solumedrol. A redução de surto anual do medicamento é de 74%.
Efeitos colaterais: Reativo a HPV (teratogênico), PTI, nefropatia e tireoidite (sem linfopenia).
Critérios para adesão aos novos tratamentos
“O critério para se colocar esse ou aquele medicamento no tratamento são vários. Claro que é importante que se diminua o grau da doença, mas é necessário também conhecer o paciente, saber se ele tem condição de tomar o medicamento e se realmente tem eficácia para ele.
Ou seja, se o paciente viaja muito e precisa transportar o medicamento, se é uma paciente que quer ter filhos, entre outras diversas questões, logo, não se pode “apenas” tomar o remédio, mas, analisar uma série de fatores para introduzir os medicamentos”, alerta Dr. Giorge.
Transplante de Medula Óssea na Esclerose Múltipla
Ultimamente tem-se retomado o transplante de medula para pacientes com menos de 60 anos e diagnosticados com a EDSS. Esse método quantifica o grau de incapacidade na E.M. entre 3 e abaixo de 6,5. Pacientes que já fizeram dois ou três protocolos clínicos têm se tratado com essa terapia. É uma opção, não eficaz para todos os pacientes, mas, faz parte da gama de tratamentos em relação a Esclerose Múltipla.
Células Tronco na Esclerose Múltipla
Assim como o transplante de medula, as células tronco também estão sendo colocadas em pauta. Existem cerca de dois mil estudos científicos no mundo. Testes relevantes, mas poucos realizados com seres humanos. “Essas terapias ainda são experimentais, contudo, ainda serão necessários mais anos de pesquisas referente a esses tipos de terapias, informa Giorge”.
Conselho do especialista
Dr. Giorge ainda ressalta que os medicamentos que já estão consagrados no mercado, são medicamentos que funcionam. “Time que está ganhando não se mexe, se o paciente está usando um medicamento emunomodulador, medicamentos que não tem efeito colateral grave, e está bem, não tem lesão nova, o tratamento deve ser mantido, conclui Dr. Giorge.
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Esclerose Múltipla
A Dra. Maria Inez Gadelha, médica oncologista, assessora técnica e diretora da Secretária de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde também falou sobre a importância de se seguir o protocolo clínico e porque eles são de estrema relevância no tratamento da E.M.
Os medicamentos disponibilizados pelo PCDT de Esclerose Múltipla são: Glatirâmer (Copaxone), Betainterferonas (Rebif, Betaferon, Avonex), Azatioprina, Metilprednisolona, Natalizumabe (Tysabre), Fingolimode (Gylenia).
“Os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas visam atender especialmente a política nacional de assistência farmacêutica, que, segundo as normas legais e infra legais, precisam contar com protocolos para se operacionalizar de forma segura e eficaz”, explica a Dra. Maria Inez.
Mas para se falar sobre os protocolos clínicos da E.M. é necessário compreender as evidências científicas. Antes de entrar em circulação, todo medicamento passa por testes, que irão revelar a eficácia dessa determinada droga e seus efeitos colaterais.
À importância de se seguir o protocolo da E.M. quando existe a possibilidade de incorporações de novas tecnologias para os medicamentos, é necessário responder questões básicas, que são:
- Eficácia – Funciona? Ou seja, um sujeito estava com dores de cabeça, usou um medicamento e esse fez efeito.
- Efetividade – O quão bem? Se fazer as perguntas de qual a causa da “dor de cabeça”, se ela irá voltar, se precisará de dose maior ou menor. Ou seja, o quão bem funciona essa tecnologia.
Eficiência – A que custo? O custo não diz respeito apenas a questão monetária, mas as questões adversas (maléficas) que esse medicamento pode causar ao paciente.
- Equidade – Para quantos? O quanto será necessário disponibilizar de material, humano, equipamentos de saúde (hospitais e unidades de saúde pública) que determinada população conta. E isso tem que ser garantido.
“A tomada de decisão de uma nova tecnologia (medicamento) a partir de análises, estudos clínicos e diretrizes tem que ser feitas de forma global. A responsabilidade da política pública tem que contar com a avaliação de todas essas características, que são clínicas, baseadas nos estudos e nas pesquisas econômicas dos próprios doentes e também organizacionais”, analisa Maria Inez Gadelha.
Linha do tempo do Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas da Esclerose Múltipla
O Protocolo de E.M. é complexo, há sempre novas publicações e retificações. Essas demandas resultam em portarias. Desde 2001 houve pelo menos cinco portarias e uma consulta pública:
– Portaria SAS/MS 97, de 22/03/2001;
– Consulta Pública SAS/MS 21, de 23/04/2010;
– Portaria SAS/MS 493, de 23/09/2010;
– Portaria SAS/MS 1.323, de 25/11/2013 (retificada em 10/03/2014);
– Portaria SAS/MS 1.505, de 29/12/2014.
– Portaria SAS/MS 391, de 05/05/2015.
Um dos motivos relatados pela mudança na portaria de 2010, por exemplo, aconteceu pois, alguns pacientes não responderem de maneira efetiva a medicação que vinham utilizando, logo, se fez a inclusão de novos medicamentos.
Já no caso da portaria SAS/MS 1.323, de 25/11/2013 (retificada em 10/03/2014), um erro textual foi apontado. Quando a atualização do documento foi realizada, a revisão verificou que uma parte do texto havia sido prejudicada e foi necessário uma retificação.
Em 2014 a inclusão de uma nova medicação, o Fingolimode 0,5mg (na impossibilidade de uso do Natalizumabe) foi acrescentando. Contudo, a substituição deveria conter os seguintes critérios:
– Diagnóstico de EM pelos Critérios de McDonald revisados e adaptados;
– Lesões desmielinizantes à RM;
– Diagnóstico diferencial com exclusão de outras causas;
– Pacientes que apresentam a forma Remitente-Recorrente (EM-RR);
– Falha terapêutica à Betainterferona e ao Glatirâmer e impossibilidade de usar o Natalizumabe devida ao uso prévio de imunossupressores, teste para a presença do vírus JC (vírus John Cunningham ou vírus polioma) positivo no sangue, ou histórico de alergia ao Natalizumabe);
– Ausência de contraindicação ao uso do Fingolimode (ou seja, uso concomitante de Beta-bloqueadores ou antiarrítmicos, ECG com intervalo QTc acima de 470 ms em mulheres ou QTc acima de 450 ms em homens, pacientes com bloqueio atrioventricular de segundo grau Mobitz tipo II ou maior, doença do nó sinusal ou bloqueio cardíaco sinoatrial, doença cardíaca isquêmica conhecida, histórico de infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva, histórico de parada cardíaca, doença cerebrovascular, hipertensão não controlada ou apneia do sono grave não tratada);
– Disponibilização de centro especializado com infraestrutura adequada ao monitoramento dos pacientes que utilizarem o medicamento, conforme especificamente estabelecido para o fingolimode em relação a centros de referências capacitados e monitorização.
A médica ainda acrescenta “Quando me perguntam os motivos de se seguir os protocolos da E.M., eu digo que é necessário e importante para se ter segurança, eficácia, efetividade e reprodutibilidade. Pois o protocolo conta com todo o cuidado a respeito de evidência científica e o quanto esses fatores são importantes e relevantes para a eficácia de uma nova tecnologia (medicamento) ”.