Mais da metade das mulheres em idade fértil de São Paulo já usou pílula do dia seguinte, segundo pesquisa do Instituto de Saúde (órgão ligado ao governo do estado de São Paulo), em parceria com o Núcleo de Estudos em População da Unicamp.
Segundo o levantamento inédito, 50,9% das mulheres do município entre 15 e 44 anos, que já iniciaram a vida sexual, tinham tomado a contracepção de emergência. Entre as mais jovens, de 20 a 29 anos, essa taxa ultrapassa 67%. A pesquisa entrevistou 3.896 mulheres na capital, de abril a dezembro de 2015. “É um avanço, porque a pílula do dia seguinte está aí para isso, ela deve ser usada quando a contracepção falha ou não existiu”, diz a coordenadora da pesquisa, a médica sanitarista do Instituto de Saúde e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, Tania Lago.
Como efeito de comparação, Lago cita um estudo feito com base na última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), em 2006. “Cerca de 23% das mulheres não unidas e 11% das unidas tinham tomado pílula do dia seguinte. O aumento foi incrível.”
O crescimento é positivo, diz o diretor da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo, André Malavasi. “Significa que as mulheres estão tendo acesso à informação e ao método”. Ele defende, entretanto, que a pílula do dia seguinte não deve ser usada de forma rotineira, não por oferecer risco à saúde, mas porque há outros métodos mais eficientes. “Ela serve para o acidente. É como usar o seguro do carro. Se está usando várias vezes ao ano, é bom pensar em um método de longa duração, como DIU e implante subcutâneo.”
A ideia de que o método é “uma bomba de hormônio” é rechaçada por muitos médicos. A dose é alta, mas segura.
“Isso é uma bobagem, a dose corresponde a cerca de um terço de uma cartela de anticoncepcional com o mesmo hormônio”, diz o ginecologista Jefferson Drezett, da Faculdade de Saúde Pública da USP.
A dentista Taynara Martins, 22, já precisou usar a contracepção de emergência quatro vezes, após fazer sexo sem preservativo. Ela costumava tomar a pílula de uso contínuo, mas tinha muitas dores de cabeça. “Também esquecia muito de tomar, até três dias seguidos. Decidi parar”, conta.
A pílula de uso contínuo é o método mais comum entre as mulheres em idade fértil e sexualmente ativas de São Paulo. Ela foi mencionada por 26,4% das entrevistadas. Em seguida, aparece a camisinha masculina, com 18,6%, os hormonais injetáveis, com 10,8%, e a combinação de pílula e camisinha, 8,7%. A laqueadura e a vasectomia tiveram 8,1% e 6,2%, respectivamente.
O estudo segue a metodologia da PNDS, uma pesquisa nacional do Ministério da Saúde que ocorria a cada dez anos. “Estávamos preparando a PNDS 2016, mas ela não pôde ser feita por falta de dinheiro. Resolvi fazer em SP para não ficar mais de dez anos sem dados de contracepção”, diz Lago. Segundo ela, o estudo atual mostra uma queda vertiginosa da laqueadura, que por décadas foi o principal contraceptivo feminino no país. Na PNDS de 2006, ela já havia sido ultrapassada pela pílula, mas 21,8% das brasileiras em idade fértil estavam esterilizadas. “Pela primeira vez vemos a taxa de laqueadura bem próxima da vasectomia, algo inédito”, diz Lago. “Tipicamente a mulher fazia laqueadura para encerrar a reprodução após vários filhos, o que se tornou mais raro.” Além disso, a oferta no SUS também ficou mais restrita com a lei de 1997, que mudou os critérios para a laqueadura. A redução é considerada positiva por muitos especialistas, pois há uma alta taxa de arrependimento após a cirurgia.
“A sociedade mudou, as pessoas se divorciam mais, e a laqueadura é permanente. É bom para a mulher poder usar um método reversível e engravidar de novo”, afirma Luis Guillermo Bahamondes, presidente do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas e professor de ginecologia da Unicamp.
A prevalência de contraceptivos na cidade, de 84,8%, é alta, assim como a verificada no país em 2006. “O Brasil está no grupo de países com alta prevalência, como Canadá, EUA e muitos da Europa”, diz Lago. Entretanto, das mulheres que tiveram filhos nos últimos cinco anos na capital, 52% disseram que ao menos um não foi planejado. “Na França, o uso de contraceptivos é de quase 90%, e há 40% de gestações não planejadas. Só que elas não vão adiante porque o aborto é legalizado”, diz Lago.
O uso intermitente do contraceptivo contribui para a taxa de gestações indesejadas. Além disso, os anticoncepcionais têm falhas, principalmente no chamado uso corrente. “Pílula é ótimo, mas precisa tomar todo dia. No uso corrente, com mulheres reais, a falha chega a 12%. Já a do DIU é de 0,5%. Faz muita diferença”, diz Bahamondes.
Com base na pesquisa e na taxa de falha de cada método, Lago estimou o número de mulheres que engravidariam por ano, com anticoncepcionais, na capital: 70.847. “Isso rompe com aquele preconceito de que a mulher que engravida sem querer é irresponsável. Os métodos não são perfeitos”, diz Lago.
A pesquisadora se preocupa com o crescimento dos métodos hormonais. Na capital, 45,9% das mulheres usam pílula ou injetáveis. “Nós ainda não sabemos se tornar a anticoncepção basicamente hormonal terá efeitos negativos na saúde.” Bahamondes discorda: “Não faz mal tomar pílula por muitos anos. Tem benefícios”.
Outra preocupação de Lago é que 18% das mulheres entre 40 e 44 anos na capital usam pílula —os riscos de tromboembolismo aumentam depois dos 39 anos. “É contraindicado. São poucas, mas não deveria ter nenhuma”, diz ela. Também por esse motivo, Lago e outros especialistas dizem que o governo deve investir no DIU, mais eficiente que a pílula. Apenas 2,5% das mulheres relatou ter DIU na capital.
Fonte: Panorama Farmacêutico
Facebook Comentários