O Ministério da Saúde fechou a negociação para a compra de uma nova geração de remédios que promete revolucionar a terapia contra o vírus HCV, responsável pela hepatite C crônica, principal causa de óbitos por cirrose no Brasil. Já testadas e aprovadas na Europa e na Ásia, as drogas sofosbuvir, simeprevir e daclastavir, fabricadas por três laboratórios, apresentaram eficácia de mais de 90% na cura de portadores do genótipo 1 do vírus, o mais comum. Os medicamentos atualmente disponíveis no país possuem taxa de sucesso de aproximadamente 60% e costumam causar bastante desconforto aos pacientes, por causa do longo tempo de terapia — são 11 meses — e dos graves efeitos colaterais associados ao interferon. O novo coquetel promete eliminar o vírus em três meses, sem causar efeitos colaterais significativos. A expectativa do governo federal é anunciar em outubro a data da chegada das novas drogas, que serão disponibilizadas pelo SUS.
O certo é que, no primeiro trimestre de 2015, já será possível o acesso gratuito a esses medicamentos pelos portadores do vírus com estágio mais avançado da hepatite C. O promissor horizonte no combate ao HCV tem encorajado muitos portadores a recorrer à Justiça para conseguir logo as pílulas. É o caso da dentista Sandra Regina Rocha, de 64 anos, moradora de Goiânia. Depois de três tentativas frustradas de curar a doença, ela vem reagindo bem à nova terapia. Há 37 dias seus exames de sangue apontam que o vírus está indetectável.
— Em 1999, fiz uma bateria de exames e descobri ser portadora do HCV. Na época, ninguém sabia do que se tratava, era considerada a hepatite “nem A, nem B”. Provavelmente peguei numa transfusão de sangue. Fiz o primeiro tratamento em 2000, o segundo três anos depois, e o terceiro em 2009. Chegava a negativar o vírus, mas ele voltava a aparecer depois do fim do tratamento. Sofri com efeitos colaterais gravíssimos do interferon e até hoje tomo antidepressivo — conta Sandra, bastante esperançosa com os novos tempos. — O novo tratamento é uma maravilha. São duas cápsulas, na hora do almoço, e mais nada. Sinto, no máximo, uma dorzinha de cabeça.
A dentista foi uma das responsáveis por pressionar o governo federal a fechar a negociação pelos novos remédios. Ela coordenou uma campanha em redes sociais que angariou 52 mil assinaturas. O documento foi entregue ao ministro da Saúde, Arthur Chioro, em 29 de julho, numa audiência em Brasília. A pressão surtiu efeito. A prioridade será dada a pacientes com grau moderado ou elevado de fibrose — cicatriz no tecido hepático — e cirróticos, estes com funções do fígado já comprometidas.
Combate direto ao vírus
A guerra de laboratórios deve beneficiar os pacientes a curto prazo. Além dos comprimidos da Gilead Science (sofosbuvir), da Janssen Pharmaceutica (simeprevir) e da Bristol-Myers Squibb (daclastavir), a americana AbbVie, companhia global de produtos biofarmacêuticos, submeteu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no dia 28 de agosto, pedido de aprovação para comercialização de seus três agentes virais que combatem diretamente o vírus. Todos os testes têm altos percentuais de cura.
— Esses remédios encurtam muito o tratamento e oferecem uma resposta bem melhor. Estamos entrando numa nova era no tratamento da hepatite C. Os médicos estão eufóricos — diz Edison Parise, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia.
A hepatite C é causada por um vírus transmitido principalmente pelo sangue contaminado. Assintomática na maioria dos casos, é conhecida como “assassina silenciosa”, pois os primeiros sintomas só costumam aparecer quando o fígado já está bastante comprometido. Hepatologistas estimam que, somente no Brasil, 2,5 milhões de pessoas estejam infectadas com o vírus HCV. Apenas 20% dos portadores conseguem eliminar o vírus naturalmente logo após o contágio, sem remédios, permanecendo apenas com anticorpos. Estima-se que 80% dos portadores não sabem que têm a doença, acarretando um atraso na avaliação médica e aumentando o risco de vida. A transmissão do HCV por relação sexual é praticamente nula.
Recentemente, o Egito fechou um acordo para a compra do sofosbuvir com desconto de 99% sobre o preço cobrado nos Estados Unidos. Cerca de 15% da população do país africano é portadora de hepatite C, em função das práticas de vacinação em série, sem o descarte de seringas.
FONTE: O Globo