Apesar de não ser identificada em exames laboratoriais, a forte dor pode prejudicar muito a rotina das pessoas. Principal tratamento é com a prática de exercícios físicos regulares
Sentir dores intensas por todo o corpo e ainda lidar com a desconfiança de quem não entende os sintomas. O duplo desafio é constantemente narrado entre pessoas diagnosticadas com fibromialgia, uma dor crônica caracterizada por se disseminar por várias partes do corpo e provocar fadiga, distúrbios de sono e episódios depressivos.
“No começo é bem difícil de você mesmo aceitar a doença, e também é ruim porque as pessoas acham que você está fazendo corpo mole”, descreve o servidor público e músico Hélvio Sodré, de 33 anos, 10 deles debaixo do diagnóstico da fibromialgia.
Por ser silenciosa, não detectável em exames laboratoriais e não causar qualquer transformação externa na pessoa, muitas vezes a fibromialgia é vista como um transtorno apenas psicológico. “Como boa parte dos pacientes sofre muito porque tem dor crônica, eles acabam sendo imputados como doentes psicológicos, o que não é verdade. Eles sentem dor mesmo”, reforça o reumatologista e coordenador da Comissão de Dor, Fibromialgia e outras Síndromes de Partes Moles, da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), José Eduardo Martinez.
Apesar de nem todos os pacientes com fibromialgia apresentarem depressão, o médico destaca a existência de uma relação entre as doenças. “A dor crônica leva à depressão e a depressão leva à dor crônica. Hoje a gente considera a depressão como fator agravante de quem tem fibromialgia”, explica o reumatologista.
A origem da doença ainda não é totalmente conhecida. Contudo, já foi constatado que os fibromiálgicos apresentam alterações no sistema nervoso para o controle da dor. “A predisposição genética é uma das possíveis explicações, mas também há uma relação com estresse. Pacientes que têm uma vida em que foram submetidos a um número maior de fatores estressores têm tendência a ter mais dor”, argumenta José Eduardo.
Confira a entrevista completa com o Reumatologista e coordenador da Comissão de dor, fibromialgia e outras síndromes de partes moles da SBR Drº José Eduardo Martinez:
No caso de Hélvio, as dores começaram embaixo da escápula esquerda. “Começou do nada, até imaginei que fosse uma dor muscular por ter dormido de mau jeito. Tentei fazer fisioterapia, massagem, acupuntura, mas não passava, e ela começou a irradiar para outros lugares no corpo”, relembra.
“Normalmente existem dois caminhos que levam as pessoas a ter dor no corpo”, avalia José Eduardo. “Ou a pessoa já tem alguma doença que gera dor, como um problema de ombro, ou uma doença reumática, e na não resolução dessa dor localizada, ela acaba, ao longo do tempo, se generalizando. Outro caminho é o estresse crônico, que leva a tensão muscular, que gera dores musculares, o que acaba culminando em uma dor fora de controle e generalizada”, apogia
nta.
De acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Dor Crônica, do Ministério da Saúde, dados norte-americanos mostram que 31% da população têm alguma dor crônica, acarretando incapacidade total ou parcial em 75% dos casos. A fibromialgia acomete mais as mulheres na faixa etária de 30 a 55 anos, mas existem alguns casos em pessoas mais velhas, crianças e adolescentes. Por isso, a sociedade alerta para a importância de os pais observarem sintomas como dor desproporcional a lesões ou excesso de fadiga. A SBR calcula que, no Brasil, a doença afete cerca de 3% da população.
Diagnóstico e tratamento
Com a dor persistente, Hélvio Sodré procurou um reumatologista. Por meio de um exame em que o paciente deve manifestar dor em ao menos 11 dos 18 locais esperados de pontos musculares dolorosos, e a partir da exclusão de outras condições clínicas, como doenças reumáticas e distúrbios primários do sono, finalmente ele acabou diagnosticado com a fibromialgia.
“Tive muitos problemas no trabalho, precisei entrar com licenças médicas. Isso é muito ruim no seu processo de vencer as crises, mas o primeiro passo é entender que você tem essa condição e que é possível ter qualidade de vida mesmo com a doença”, opina Hélvio. Para ele, a melhor saída encontrada foi por meio da prática de exercícios físicos – a principal recomendação médica para o tratamento da fibromialgia.
O desafio era, então, encontrar um exercício que aliasse prazer à melhora no quadro de saúde. “No início eu deixava um pouco de lado, aí a minha saúde oscilava muito”, admite o servidor público, que chegou a fazer natação, musculação e exercícios aeróbicos na academia, antes de descobrir uma atividade de que realmente gostava. “Desde 2010 eu acompanhava canais de lutas. Sempre tive um fascínio muito grande, mas não me julgava em condições de praticar, me achava limitado pela fibromialgia”, conta.
Só depois de ganhar mais confiança e força muscular na musculação, Hélvio resolveu se aventurar em uma aula de muay thai. “Decidi ir no meu ritmo. Expliquei a minha condição para o professor e ele falou que tinha outros alunos com fibromialgia e que conseguiram um bom resultado. Comecei devagar, fui conhecendo os limites do meu corpo e ganhando segurança”, relembra. “Foi bom para a minha auto estima, saber que a doença não me limita a praticar o esporte”, afirma.
“Sem dúvida praticar exercícios físicos é a intervenção mais importante e mais efetiva que a literatura mostrou no tratamento da fibromialgia. É importante e efetiva porque o exercício físico diminui a dor, melhora a depressão, a ansiedade, o sono e a fadiga, que são componentes importantíssimos da fibromialgia”, destaca o reumatologista da SBR. “O paciente com fibromialgia tem que começar com uma atividade leve e progredir lentamente”, reforça.
Em relação a medicamentos, o PCDT de dores crônicas indica o uso de relaxantes musculares apenas por curtos períodos de tempo, em casos de dor aguda, sendo desaconselhado o uso contínuo. Em geral, a doença é tratada com o uso de antidepressivos. Além disso, com a publicação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, foram institucionalizadas no Sistema Único de Saúde (SUS) a homeopatia, as plantas medicinais e fitoterápicos, a medicina tradicional chinesa/acupuntura, a medicina antroposófica e o termalismo social-crenoterapia. Essas terapias, associadas aos tratamentos convencionais, ajudam a minimizar os efeitos colaterais, trazendo maior qualidade de vida ao paciente durante o tratamento e ajudando-o a apresentar resultados positivos.
A estratégia para o tratamento ideal da dor crônica é uma abordagem multidisciplinar com a combinação de modalidades de tratamentos não farmacológico e farmacológico. O tratamento deve ser elaborado, em discussão com o paciente, de acordo com a intensidade da sua dor, funcionalidade e suas características, sendo importante também levar em consideração as questões biopsicossociais e culturais. A dor crônica é um estado de saúde persistente que modifica a vida. O objetivo do seu tratamento é o controle, e não a eliminação.
A Coordenação-Geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde realizou um levantamento no ano passado, junto aos estados que possuem hospitais habilitados em oncologia, e localizou 13 estados (AC, AL, BA, ES, MA, MG, MT, RO, RR, RS, SC, SP e TO) com centros da dor que atendem pelo SUS. Dos 27 estados, somente o Amazonas e o Piauí não contam com centros da dor pelo SUS ou privado.
A Sociedade Brasileira de Reumatologia disponibiliza uma cartilha com informações sobre a fibromialgia. Para fazer o download, clique aqui: http://bit.ly/2kZOc0S
Ana Cláudia Felizola, para o Blog da Saúde