Alguns candidatos do Exame Nacional do Ensino Médio enfrentam diariamente os “desafios para a formação educacional dos surdos”, tema da redação deste ano, e celebraram a visibilidade dada à causa pela inclusão da questão na prova. Felizes, eles expuseram suas próprias questões e cobraram do governo mais políticas públicas de apoio aos deficientes auditivos.
A jovem Louise Gabriele Melecchi, de Porto Alegre, que é surda e fala muito pouco, deu à sua redação o título sucinto de “Direito à educação”. Em 23 linhas, Louise defendeu o acesso ao ensino, seja em escola pública ou com bolsa para estudar nas privadas. Também citou que estudantes com dinheiro podem pagar faculdade. E mandou um recado:
— Temos direito de receber uma bolsa para mudar a vida e podermos transformar a vida de quem não é rico — disse ela.
Louise fala tão pouco que, para responder a perguntas, a repórter teve de redigir cada questão em um papel, para que a garota pudesse escrever suas respostas contando como foi o primeiro dia de Enem. Ela está confiante que irá bem para poder brigar por uma vaga para cursar faculdade de Biologia. Ela ficou até as 18h45min na prova deste domingo, apenas 15 minutos antes do prazo.
— No começo da prova, que teve auxílio de vídeo, que me ajudou muito — disse ela.
No Rio de Janeiro, Ana Beatriz Branco, jovem de 20 anos que tem apenas 30℅ da audição, conta que se emocionou com o tema da redação do Enem. Ela, que ainda corre risco de perder completamente a audição, cursa engenharia química na Uerj e agora pretende cursar ciências contábeis.
— Eu sofri muito na escola. Uma amiga tinha que me defender de alguns colegas, e muitos professores não sabiam como lidar. Quando eu tinha dúvida, perguntava para uma amiga e o professor ainda brigava comigo por eu estar conversando — lembra a estudante.
Por mais que muitos candidatos estivessem esperando temas relacionados a política, por exemplo, Ana Beatriz considera importantíssimo que alunos ouvintes tenham que discutir algo que faz parte do dia a dia de muitos brasileiros como ela. Ela espera que o tema da redação possa ajudar a trazer mais compreensão e aceitação para as pessoas com deficiência auditiva.
Como propostas para inclusão, a jovem acredita que poderia existir uma cota para pessoas com deficiência. Tal medida ajudaria a dar representatividade. Além disso, sugere maior capacitação dos profissionais de educação e que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) seja mais difundida.
— Eu aprendi leitura labial e a me expressar oralmente por sorte, e com a ajuda da fonoaudióloga — afirma ela — Temos que discutir mais sobre o assunto. Quem fez a redação hoje pode até saber muito por alto que é preciso ter mais inclusão, mas pode ter tido dificuldade para desenvolver o tema em uma redação.
Já em Teresina, no Piauí, Francisca Rosângela dos Santos — também com deficiência auditiva — considera que o tema a favoreceu, já que as discussões acerca da inclusão de pessoas surdas faz parte do seu dia a dia.
— O tema caiu como uma luva, falei das dificuldades enfrentadas pelos surdos no Brasil — comentou Francisca. — Falta muito apoio aos surdos na educação e no trabalho, o governo precisa investir mais.
A candidata prestou o concurso em sala especial para surdos na Unidade Escolar Dina Soares, no bairro Pio XII, com o apoio de instrutoras.
— Eu gostei da prova, não tive complicações. As instrutoras falaram tudo corretamente — contou Francisca.
Adrielly Macedo Cunha, de 22 anos, tenta uma vaga para o curso de Pedagogia, e também gostou da escolha feita pelo Inep para o tema da redação.
— Eu quase não acreditei no tema da redação. Foi muito bom para a minha prova — comentou Adrielly, também deficiente auditiva. — Na redação falei da necessidade de garantir os direitos dos surdos e da necessidade de maior divulgação da Libras.
Na PUC do Paraná, em Curitiba, Felipe Jones, de 20 anos, saiu com um sorriso estampado no rosto do primeiro dia de provas do Enem. Ele possui deficiência auditiva desde o nascimento e, com a ajuda de aparelho, tem 80% da capacidade auditiva. Por possuir bom nível de oratória e audição, não precisou fazer a prova com assistência da linguagem de Libras, novidade nesta edição. Mesmo assim, se sentiu representado com o tema da redação do Enem.
— Não sei se isso vai fazer com que as pessoas mudem a visão sobre nós, mas é um grande passo na representatividade — avalia o estudante, que relata ter sofrido bullying na infância e, até hoje, se sente discriminado em alguns lugares. — Na semana passada mesmo fui ao shopping e fui muito maltratado por um funcionário só por causa do meu aparelho. Outro dia fui lá novamente, com meu pai, para alertar o gerente sobre o comportamento dele. Nós somos pessoas normais, tanto eu, que tenho maior capacidade de audição e oratória, como os que não as possuem.
Com a nota do Enem, Felipe pretende cursar Engenharia Mecatrônica.
— Fiquei muito feliz — resume, sobre o tema da redação.