Imagine que você possa ser os “olhos” de um deficiente visual, ajudando esta pessoa com tarefas que vão de escolher a cor de uma camisa a alertar se a validade de um produto venceu. Foi com essa ideia na cabeça que o dinamarquês Hans Wiberg desenvolveu o aplicativo “Be My Eyes” (“Seja Meus Olhos”, em tradução livre), que tem ajudado mais de 25 mil cegos no mundo todo.
Para testar o aplicativo, o BOL apresentou a ferramenta para Felipe Diogo, 30, jornalista e deficiente visual, que vive em São Bernardo do Campo (SP). Já de início, foram realizadas algumas chamadas. Na primeira, ele pediu auxílio sobre a cor de um tênis que gostaria de usar e conseguiu o atendimento de uma pessoa identificada como Rui, de São Paulo, que aproveitou para dizer o que o motivou a ser voluntário: “Acho importante ajudar todos que precisam.”
Felipe avalia que o “Be My Eyes” facilita muito a ajuda aos deficientes visuais, mesmo com atividades consideradas simples pelo senso comum: “Infelizmente, nem todos os produtos possuem indicação em braile, ou, às vezes, você quer saber o detalhe de uma roupa. É nessa hora que o auxílio se torna importante. É louvável que voluntários disponham do seu tempo para o próximo.”
Entretanto, em outra chamada teste, Felipe não conseguiu o que buscava. Ele pediu para um usuário ajudá-lo a encontrar a validade de um pacote de bolacha. Durante cinco minutos, o voluntário Peter deu indicações a Felipe sobre como direcionar a câmera para encontrar as informações na embalagem, mas, por conta de problemas com a câmera, não foi possível visualizar. Peter se desculpou, mas se prontificou a ajudar Felipe em outros atendimentos.
Nas tentativas seguintes, Felipe obteve sucesso, mas alertou sobre o tempo de resposta em alguns casos, nos quais ele chegou a ficar mais de cinco minutos aguardando ou teve que refazer a ligação. “O aplicativo depende da disponibilidade das pessoas para fazer o atendimento. Nessa demora, pode ser que quem quer ajuda vá procurar um outro recurso disponível ou um vizinho talvez. Mas, por se tratar de uma ação voluntária, acredito que vale a pena esperar”, opina o jornalista.
Experiências positivas como a de Felipe ajudaram transformar o aplicativo, criado no primeiro semestre de 2015, em um sucesso. Hoje, ele está presente em 140 países e já conta com mais de 339 mil voluntários.
Wiberg, desenvolvedor do aplicativo, que também tem problemas de visão, conta que tudo começou com o uso do iPhone. “Eu utilizava o Facetime (aplicativo para chamadas em vídeo) e falei com alguns amigos cegos que também recorriam a esse recurso de conversação quando precisavam de alguma assistência, mas tínhamos que ligar para algum conhecido. Isso me fez pensar que poderíamos fazer o mesmo só que com um grupo de voluntários que respondesse as chamadas”, conta.
Como qualquer voluntário e deficientes visuais em geral podem se cadastrar no aplicativo, surge uma preocupação em relação à qualidade na interação e também à segurança. Pensando em amenizar esses contrapontos, Wiberg recomenda o recurso da avaliação: “Os usuários podem relatar e avaliar a qualidade do serviço prestado por cada voluntário. Se for identificado que algum usuário age de forma inapropriada, ele é banido do aplicativo. Felizmente, nós temos recebido mais feedbacks positivos do que negativos. Os usuários relatam que estão felizes em ajudar e serem ajudados.”
Leonardo Ferreira, 28, técnico em tecnologia assistiva e analista de sistemas, também conta com a ajuda do aplicativo no seu cotidiano. Ele já usava o “Be My Eyes”, desde que ouviu falar da novidade. “É uma evolução, uma inovação que vem de encontro ao que a gente sempre queria. Antes tinha que esperar um parente estar acordado para ajudar, para eles olharem coisas para a gente. Com o aplicativo, você aciona um botão, acha um voluntário, e ele te fala o que você precisa”, conta.
Leonardo exemplifica o quão simples podem ser as interações: “Você está cozinhando, pega duas latas: uma é de ervilha, a outra é de milho. Então, você precisa saber qual das duas você deve abrir. Para isso, basta acionar o aplicativo, esperar o voluntário atender e mostrar. Isso já aconteceu comigo”.
Antenado nas tecnologias de inclusão, o analista de sistemas lembra ainda que o “Be My Eyes” é só um dos aplicativos que facilitam a vida dos cegos. Antes, sem a tecnologia móvel, tarefas como esperar um ônibus, pegar um táxi, ir ao banco ou pedir comida eram bem difíceis de se realizar. Hoje, há aplicativos para tudo e o uso deles facilita e muito a vida dos deficientes. “Cada vez mais, ser cego é menos difícil”, comemora.
Fonte: Noticias Bol