Desde o primeiro ano de vida, o lar de Bernardo Moreira Loureiro, hoje com 7, é um quarto no Hospital Universitário de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Acometido por uma doença respiratória grave ainda bebê, o menino está à espera de um transplante de pulmão desde 2015.
Segundo a instituição, Bernardo é o primeiro da fila, mas a incompatibilidade tem adiado o procedimento. O transplante de pulmão é considerado uma das cirurgias mais complexas e o caso de Bernardo é ainda mais difícil por se tratar de uma criança.
A família, porém, confia que o menino, em breve, vai poder encher os pulmõezinhos de ar sem a necessidade de um aparelho. “A gente não pode perder a esperança, né?”, diz a mãe Luana Ramos Moreira, de 32 anos.
Aliás, Bernardo tem duas famílias: a biológica, formada pelos pais e as duas irmãs de 7 e 11 anos, e a que construiu dentro da unidade pediátrica do HU.
Nascido em junho de 2010, Bernardo era um bebê absolutamente saudável, segundo a mãe. Até que uma noite lhe faltou o ar. Com 1 ano e 4 meses, ele foi levado às pressas para a emergência pediátrica e em pouco tempo foi diagnosticado com bronquiolite obliterante aguda, uma doença respiratória viral que afeta as menores vias aéreas dos pulmões, os bronquíolos. Nunca mais saiu do hospital.
“Passamos uma noite inteira lá, ele com oxigênio direto no nariz. Achei que iria pra casa no outro dia, mas aí me falaram que ele precisaria fazer uma traqueostomia”, relata a mãe.
Desde então, o quadro de saúde piorou. Bernardo precisou passar por intubações prolongadas para regularizar as funções respiratórias. Foram quatro meses na UTI.
Nesse meio tempo, o menino foi submetido a um procedimento cirúrgico conhecido como traqueostomia, quando um orifício é aberto no pescoço do paciente para possibilitar a ventilação mecânica.
“Ele até apresentou uma melhora e eu tive esperança de que ele teria alta. Mas não, foi para o hospital uma noite e lá ficou”, conta a mãe.
Bernardo anda, mas não fala, devido a cânula de traqueostomia inserida no pescoço. Mesmo sem poder conversar, sua capacidade cognitiva não foi afetada, segundo a mãe.
Nas 24 horas do dia, Bernardo vive conectado ao respirador. “Ele não pode ficar sem. Até tentamos há uns anos atrás, ele teve uma fase de ‘desmame’, como chamamos, mas não aguentou. Ele caminha com dificuldade, cansa rápido mesmo com auxílio da ventilação”, explica a enfermeira.
Como não pode sair do quarto, Bernardo tem nele a estrutura necessária para viver. Além da cama, o local é equipado com televisão e DVD, além de brinquedos e bichos de pelúcia. Recentemente ele foi presenteado com um mural do Grêmio, o time do coração, que foi fixado na parede.
“É uma bagunça”, brinca a enfermeira. “Afinal, é um quarto de um menino de 7 anos. Tem brinquedo espalhado pelo chão. Como tem que ser, né?”, descreve.
Grávida do quarto filho, Luana se divide entre os cuidados em casa com Manuela, 8 anos, e Kaylane, 11, as irmãs de Bernardo, e as idas ao hospital. Por isso, conta com a equipe médica para ajudá-la.
“Como tenho as meninas, às vezes preciso ficar em casa com elas. Nunca é bom estar internado em um hospital, mas aqui ele é querido por todo mundo. Esse é o lado bom do hospital, eles me ajudam muito”, diz a mãe.
Mesmo à espera do dia em que vai poder ter o filho em casa, Luana reconhece que o menino está em boas mãos. “Como ele nunca saiu do hospital, não sabe como é aqui fora, não tem outra referência, outra lembrança, sabe? Ele entendeu que a casa dele é ali naquele quartinho e pronto”.
Mas não é fácil. A unidade de pediatria do HU conta com 10 leitos. Hoje, Bernardo é o único morador.
Neste ano, o hospital firmou uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação para que ele iniciasse o processo de alfabetização. Duas vezes por semana, uma professora e duas pedagogas visitam o menino.
“Ele entrou em idade escolar, era natural que isso acontecesse, ele está crescendo. Existem algumas particularidades do caso dele, no processo de ensino, mas ele recebe a professora e as pedagogas duas vezes na semana”, conta a enfermeira.
A rotina de Bernardo inclui ainda sessões de fisioterapia, todos os dias em dois turnos, além de acompanhamento com fonoaudióloga. A equipe médica conta com um enfermeiro e 6 técnicos em enfermagem por turno.
Atualmente, 84 pessoas esperam por um pulmão no estado
Segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde, atualmente 84 pessoas estão na fila por um transplante de pulmão no Rio Grande do Sul. No primeiro semestre deste ano, foram realizados 19 procedimentos do tipo no estado, contra nove no mesmo período de 2016.
A espera de Bernardo se torna ainda mais longa pelas peculiaridades do caso: o pulmão precisa ser pequeno, já que trata-se de uma criança. É preciso que haja compatibilidade entre o tamanho da caixa torácica do doador e do receptor.
Outro empecilho é o sangue dele, que é tipo O-, um doador universal, mas um receptor difícil de encontrar um compatível.
“Infelizmente para criança é ainda mais raro receber um transplante de pulmão. A família não costuma aceitar a doação de órgãos, tem um caráter sentimental envolvido”, comenta a enfermeira. “Mas vidas podem ser salvas com esse ato”, reforça.
Ainda conforme a secretaria, os órgãos dos doadores passam por uma avaliação antes do procedimento. O pulmão é um órgão muito delicado e exige certos critérios.
Os pacientes que aguardam por um transplante são avaliados por equipes médicas autorizadas pela Central de Transplantes do Estado e do Ministério da Saúde. São realizados exames para avaliar se o receptor preenche os requisitos para a realização do procedimento. Depois de aprovado, ele é inscrito em uma única fila estadual.
Quando há um potencial doador no pronto-socorro ou na UTI, os médicos avisam a Central de Transplantes do Estado, que entra em contato com as equipes responsáveis pelos primeiros das filas de cada órgão.
Os pacientes passam por novos exames e são comparados os dados de doador e receptor. O estado de saúde do paciente é avaliado e se ele estiver em boas condições, é o candidato a receber o novo órgão.
Se não estiver bem de saúde, o processo recomeça, seguindo a lista. Assim, o órgão será encaminhado para o próximo paciente da fila.
“A gente confia que em breve vai aparecer um doador para o Bernardo. Mas a gente sabe também que se ele fizer o transplante, ele vai embora. E vamos sentir saudades”, admite a enfermeira.
Como ser um doador
No Brasil, o transplante só acontece com a autorização de um familiar do doador. Por isso é fundamental falar coma família sobre o desejo da doação.
A doação de órgãos ou tecidos só acontece após autorização por escrito de familiar. Podem ser doados coração, pulmão, fígado, pâncreas, rim, córnea, ossos, músculos e pele.
Existem dois tipos de doadores: os pacientes em UTI com morte encefálica, geralmente vítimas de traumatismo craniano ou derrame cerebral, mas também existe o transplante intervivos, ou seja, qualquer pessoa saudável pode doar um dos rins, parte do fígado ou pulmão e medula óssea.
Pela lei, parentes até 4º grau e cônjuges podem ser doadores. Mas não-parentes, só podem doar com autorização judicial.
Após a confirmação da morte encefálica, por exemplo, e a autorização da família e necessário a localização de um receptor compatível. A retirada dos órgãos é realizada em um centro cirúrgico, por uma equipe de cirurgiões autorizada pelo Ministério da Saúde e com treinamento específico para esse tipo de procedimento.
Não existe restrição sobre a doação de órgãos, mas pressupõe alguns critérios mínimos como causa da morte e doenças infecciosas ativas. Também não poderão ser doadoras pessoas que não possuem documentação ou menores de 21 anos sem a autorização dos pais ou responsáveis.